O QUE O CORAÇÃO RELEMBRA:

Foi buscando uma imagem para ilustrar um texto sobre dias felizes em Lisboa que me deparei com uma pergunta simples, mas poderosa: “O que o coração relembra?” Mais do que um título estampado em um artigo de revista, essa questão disparou uma artilharia de memórias afetivas, trazendo à tona lembranças, sentimentos e uma reflexão profunda sobre pertencimento e identidade. A familiaridade, às vezes, se esconde em detalhes que antes passavam despercebidos.
As pedras portuguesas, que um dia me fizeram tropeçar, agora despertam um aconchego inesperado. Mais curioso ainda é perceber que a língua, que deveria ser a base do reconhecimento, por instantes parece estranha, como se meu cérebro, tão acostumado ao inglês, vacilasse por um milésimo de segundo ao reencontrar seu idioma nativo. Essas pequenas contradições formam a textura das nossas experiências e moldam a forma como sentimos o mundo ao nosso redor.
Lisboa me acolhe como a casa da avó: nem tudo ali pertence ao meu tempo, mas cada objeto carrega uma história que me é familiar. Há elementos do passado, como o pudim de claras que marcou minha infância, e o presente, refletido nas mudanças sutis que permeiam a cidade. Esse diálogo entre o antigo e o novo reforça a sensação de que pertencemos a múltiplos tempos e espaços simultaneamente.
Lembrei-me, então, do educador Sir Ken Robinson e de uma de suas palestras, onde ele propôs uma distinção fundamental: há dois tipos de mundo que experienciamos — o mundo que sempre existiu e continuará existindo independentemente de nós, e o mundo que passa a ganhar forma a partir da nossa atenção e das nossas experiências. Essa ideia ressoa com Fernando Pessoa, que escreveu: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.” E também com Anaïs Nin: “Nós não vemos o mundo como ele é, e sim como nós somos.”
Se nossa percepção do mundo é moldada por quem somos, surge um questionamento inquietante: será que fiz as escolhas certas? Aquilo que foi deixado para trás poderia ter esculpido uma história ainda mais bela? E se, ao basearmos nossas observações apenas no que já conhecemos, limitamos nossa capacidade de ver além? A resposta talvez esteja na própria fluidez da vida. Como um palco iluminado por holofotes que se movem constantemente, nossa percepção oscila entre os aspectos que decidimos destacar. Num momento, foco nas pedras que me fazem tropeçar; no seguinte, sinto-me em casa. Essa mudança constante nos ensina a viver sem julgamentos rígidos, degustando o presente sem prévias certezas.
E então, ao lembrar que a vida não é um caminho fixo, mas um oceano de possibilidades, permito-me soltar a âncora. Como os grandes desbravadores, sigo apenas com o sonho como bússola e a coragem como combustível, pronto para explorar o que há além do que os olhos podem ver.