O AVESSO
Acordei com Sampa de Caetano.
Será que é o acaso quem canta em meus sonhos,
ou o tempo sussurrando um chamado,
um convite para além das telas e dos reflexos emprestados?
Os espelhos que antes desvendavam nossos rostos, nossas histórias,
agora, alimentam Narcisos esculpidos e plastificados.
Os reflexos não são mais só nossos—
são colagem de tantos olhares,
mosaico de vozes que moldam o que somos,
sem pedir licença, sem nos dar o tempo da autoria.
Volto o olhar pra dentro.
Prefiro o avesso, onde a costura revela a artesã,
onde as imperfeições tramam nos casulos a metamorfose
Viver não é seguir o molde,
é desfiar e tecer a própria trama,
é permitir-se ser obra em constante criação.
E enquanto o mundo nos conduz ao raso, ao supérfluo,
abraço o que é profundo, o que escapa, o que vibra
aguardando com paciência o tempo de virar seda —
.
Reflexão pra levar pra casa.
Vivemos em um tempo onde o espelho já não é mais um objeto físico, mas uma tela luminosa que nos devolve uma imagem filtrada, retocada e muitas vezes distante da realidade. O uso excessivo dos celulares e das mídias sociais tem moldado a maneira como nos enxergamos e nos relacionamos com o mundo. Alain de Botton, em suas reflexões sobre a sociedade contemporânea, aponta como a busca incessante pela validação externa nos torna prisioneiros da aprovação alheia, distanciando-nos de uma autoimagem saudável e genuína.
No livro Your Brain on Art, os autores Susan Magsamen e Ivy Ross exploram como a arte pode ser um caminho para reconectar nossa mente e nossas emoções, restaurando nosso senso de identidade. O bombardeio constante de imagens idealizadas nas redes sociais impacta diretamente nosso cérebro, alimentando inseguranças e um ciclo de comparação que nos afasta do bem-estar. Em contrapartida, a exposição e a prática da arte despertam a criatividade, reduzem o estresse e ajudam a construir uma relação mais saudável com nós mesmos.
A solução para essa desconexão da realidade pode estar no resgate da experiência sensorial e criativa. Reduzir o tempo de tela, praticar atividades manuais, explorar a arte em suas diversas formas e valorizar momentos de contemplação são formas eficazes de restaurar o equilíbrio. Alain de Botton sugere que a arte tem um papel terapêutico ao nos lembrar que a imperfeição é parte fundamental da vida e que a verdadeira beleza não está na padronização, mas na autenticidade.
Incorporar práticas artísticas no dia a dia pode ser um caminho para recuperar o bem-estar e fortalecer a identidade pessoal. A pintura e o desenho, por exemplo, permitem que as emoções sejam expressas de maneira intuitiva, sem a necessidade de palavras. A escrita criativa e a poesia ajudam a organizar os pensamentos e a dar voz às nossas experiências internas. A música, seja tocando um instrumento ou apenas ouvindo atentamente, tem o poder de nos transportar para estados emocionais mais equilibrados e profundos.
Além disso, a dança e o teatro proporcionam um contato direto com o corpo e com a expressão espontânea, ajudando a liberar tensões acumuladas e promovendo uma sensação de liberdade. Práticas como a cerâmica, a tapeçaria e a escultura conectam o criador com a materialidade do mundo, oferecendo uma experiência tátil que contrasta com a superficialidade das interações digitais.
O bem-estar e a felicidade não vêm da validação virtual, mas da capacidade de estarmos presentes em nossa própria jornada. Conectar-se com a arte, com o real e com a própria expressão é um antídoto poderoso contra a alienação causada pelo uso excessivo da tecnologia. A tela pode refletir uma imagem, mas é na criação e na vivência que encontramos a nossa verdadeira essência. Que possamos, então, redescobrir a arte como um caminho para nos reconectar com nós mesmos e com o mundo de maneira mais plena e autêntica.