ENTRE FUTURO E PRESENTE:
uma singela reflexão sobre o tempo.

Ao fechar o livro “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin D. Yalom, tendo a última página ainda entre os dedos, como quem segura uma porta entreaberta, uma frase, penetra fundo meu pensamento: “História é A ficção que foi concretizada, enquanto ficção é história que poderia ter sido concretizado.”
Ainda com ela cavando por dentro, abro “Ressuscitar Mamutes”, de Silvana Tavano, e me vejo diante de uma coincidência estranha, quase assombrosa:
Dois livros distantes no tempo, na forma e no estilo — e, no entanto, dizendo a mesma coisa com outras palavras, com outro corpo. Era como se o pensamento se repetisse, não porque foi copiado, mas porque habita o mundo — como um fóssil que insiste em emergir.
Silvana escreve:
“É fascinante — e hoje parece impossível — como pôde ter sido, no final do século XVIII, a teoria do médico naturalista Edward Jenner, que desenvolveu a primeira vacina da História, contra a varíola…”
E finaliza, como alguém que mantém o olhar no futuro:
“Restituir os mamutes à vida soa como ficção, como pareciam ser os foguetes espaciais, os marca-passos, as cirurgias robóticas e centenas de achados fantásticos que se tornaram banais.”
Não era mais uma leitura. Era um chamado. Um convite à escavação. Mas não de relíquias antigas — de mim mesma, do tempo que foi e que ainda será. E com este pensamento pulsando lembrei-me de outra ideia — aquela que Nietzsche, via Yalom, entrega como quem tira um coelho de dentro da cartola do tempo:
“Pense no tempo como algo que sempre existiu, um tempo que se estende para trás, para sempre. Em um tempo infinito assim, não seria inevitável que as recombinações de todos os eventos que formam o mundo tenham se repetido um número infinito de vezes?”
A eternidade como um ciclo. O agora como algo que já foi. O impossível como apenas aquilo que ainda não nos acostumamos a ver.
E Silvana, do outro lado, responde:
“Parece impossível estar no agora, nesse momento eterno se revelando diante de nossos olhos, dia e noite, e a própria mensagem do calendário me transporta para um momento que foi único, mas que, de alguma forma, volta a acontecer. Porque o que ressurge também pode ser exatamente o que foi, como se o tempo não existisse.”
Foi então que percebi o quanto de mim é feito de fósseis e repetições. O eu escritora, guardado em cadernos nunca publicados. A cientista sempre aberta a novos experimentos. A historiadora que devora conhecimento. A filósofa de janela. A psicóloga de conversas. Todos esses eus — versões passadas ou futuras — ainda estão aqui. Não mortas. Às vezes apenas semi adormecidas.
Yalom volta com uma flecha certeira afirmando que somos “mais apaixonados pelo desejo do que pelo desejado.” Neste momento mergulho em confusão, como acontece quando somos flagrados com uma notícia inesperada. Será mesmo verdade? Sim. Talvez o desejo seja já uma forma de existência ou subsistência. Talvez aquilo que desejamos seja tão real quanto o que tocamos e por isso acreditamos mais no holograma do que na realidade que deu origem a ele. Ou talvez estes desejos sejam como os fósseis; pedaços de possibilidades conservadas ao longo do tempo
Quando minha mãe adoeceu, precisei reinventar um papel que nunca havia ensaiado. Virei enfermeira sem formação, apenas com amor. E descobri mãos novas, gestos inteiros que estavam escondidos em mim. Quantas outras partes ainda desconheço, ou talvez ainda não encontrei neste looping infinito do tempo. Yalom afirma que o medo nos acompanha o tempo todo e “é como as estrelas — sempre esteve lá, mas obscurecido pela luz do dia.” Isso não me assusta, não penso no medo, pelo contrário, isso me faz refletir se existir também não é assim, como caminhar com lanterna acesa no meio de um campo de possibilidades adormecidas. Pois assim, como os foguetes, os marca-passos e os mamutes — quem sabe um dia a gente decida reanimar tudo aquilo que parecia impossível. Não para voltar no tempo, mas para reconhecer o que já existe —e ainda pulsa.
Texto inspirado por leituras de “Quando Nietzsche Chorou” de Irvin D. Yalom e “Ressuscitar Mamutes” de Silvana Tavano.